quarta-feira, 25 de abril de 2007

(Onde eu estava no 25 de Abril.)

(Estava na segunda classe. Era ainda o tempo das turmas não mistas e dos alunos embrulhados em batas de cor branca-Omo. Tinha oito anos e meio, mas guardo alguns flashes nítidos desse dia. O meu pai fazia a barba na casa de banho, a minha mãe já teria saído para trabalhar. O meu pai disse, estando eu à entrada, ainda no corredor da casa da Póvoa: "É melhor não ires à escola hoje, que parece que há barulho em Lisboa." O meu 25 de Abril começou aqui, no corredor, à entrada da casa de banho. E fui à escola. Não havia professores nas salas, nem funcionárias à vista. Circulava-se livremente por toda a escola. Na minha sala, uma colega que já não consigo identificar chorava porque "agora" iam matar os primos e os tios dela que estavam em Angola, o que me deixou imensamente perturbada - de tal maneira que ainda me recordo do local exacto da sala onde ela chorava. Uma ou duas horas depois, mandaram-nos para casa. Mas terá sido de antes disso que guardo uma imagem poderosa: na estrada nacional Lisboa-Loures, junto da qual ficava a minha escola primária, vi passar carros de combate, o que me pareceu uma coisa assombrosa. De onde viriam aqueles carros, pergunto-me hoje? Há anos que tento descobrir. A coluna do Salgueiro Maia (se bem que eu gostaria) não era, porque, embora estivesse já a dois ou três quilómetros dali, entrara em Lisboa pela Segunda Circular. É caso para dizer que Abril me passou à frente do nariz e não percebi. Uns dias depois, papagueava eu slogans-de-protesto-da-época na varanda dos meus vizinhos de cima. O filho deles, que tinha mais uns dois anos do que eu, vociferou:
"Cala-te, ó!, que aquele ali da frente é da Pide!"
"Da Pide? O que é isso?"
"És mesmo estúpida, ó!, não sabes o que é a Pide, não sabes o que é a Pide!!"
Os meus pais eram nada politizados, está-se mesmo a ver. O mesmo não poderia dizer o meu amigo R, cujos pais foram um belo dia chamados de urgência à escola pela professora primária, ainda no tempo do 24. Tiveram sorte, os pais. A professora, aflita, mostrou-lhes o desenho livre que o filho fizera recentemente: uma foice e um martelo. Post: Não, não voto CDU, mas estou muito grata a todos os comunistas, e a outros, que deram o corpo ao manifesto pelo meu futuro.)

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner

4 comentários:

Anónimo disse...

DOIA A QUEM DUER!
NASSIONALIZAÇÃO DOS BENS; REFORMA AGRÁRIA!

Helena disse...

Gostei muito das fotografias embaixo e do teu relato na primeira pessoa.
Eu vivia na Pontinha, junto ao quartel do Regimento de Engenharia nº1, onde estava o Otelo e outros capitães de Abril. A minha mãe também era apolítica e até foi trabalhar nesse dia, conseguindo passar as "barricadas". Lembro-me melhor dos tempos que se seguiram e da militância da minha irmã no MRPP, dos amigos, das músicas que ouviam, dela andar sempre com a viola atrás.
Independentemente do uso que hoje damos à liberdade e à democracia, temos que estar gratos a quem mudou o curso da história e acabou com a mais antiga ditadura da Europa. Também não voto CDU, já fui da JCP, quando muito jovem, e identificava-me com o discurso. Idealismos utópicos, constato à muito... Só para te dar um ex. este último referendo quis ir trabalhar para uma mesa de voto e como só conheço gente da CDU, foi falar com uma amiga. Pois os amigos do proletariado, os contra as injustiças sociais, aceitariam-me mas o dinheiro que ganhasse nesse dia teria de ir direito e inteirinho para os cofres do partido. Lol, só ia pelo dinheiro, não estou para passar um dia a trabalhar e entrega-lo para os bolsos dos gajos, muitos deles esquerda-caviar.
Cada vez sou mais apartidária, cada vez menos crente em esquerdas ou direitas.
Acabas o post lindamenta, não puderia ser melhor.

Mishi disse...

Querida Zen gostei muito de ler a tua história. Eu ainda não era nascida, mas a minha avó conta-me muitas histórias sobre essa época, histórias de fazer chorar!

Quanto aos HC, desabituei-me deles, é uma questão de mentalização, mentalizei-me que não precisava de ingerir as massas, pão, arroz e afins, mentalizei-me que os alimentos que ingiro são compostos, também, por hc e por isso bastavam para emagrecer saudavelmente. O mesmo se passa com os doces.

Cheguei aos 145,9kg e por isso decidi que já bastava e fui radical!
Actualmente a perda de peso é mais lenta, mas isso não me assusta, só quero continuar a emagrecer até atingir a minha meta final que são os 60kg.

Muita força para ti, tu consegues! Todas nós conseguimos emagrecer, basta tomarmos uma atitude firme perante a comida.

Beijinhos grandes!

turbolenta disse...

Bela história.
Imagino o que pensaria uma criança em idade escolar ao ver aquele aparato de carros de tropa, os chaimites com os canhões(OU AS METRALHADORAS Em cima).
Devias ter tido medo. Lembro-me que, durante muito tempo o alcatrão das ruas de Lisboa ficou todo marcado pela passagem das lagartas (rodas dos chaimites).
PENA que algumas coisas conseguidas nesse dia estejam em vias de se perderem (como a liberdade de imprensa, por exemplo)
bom fim de semana